segunda-feira, 16 de abril de 2012

MURALHAS, BICICLETAS E MUITO APETITE!


Preparativos antes de ir para a alameda sobre a muralha.
Aqui estamos sobre a muralha de Lucca.












A cidade de Lucca, na Toscana, é capaz de provocar algumas transformações mágicas em nossos sentidos e até na concepção que se tem de algumas coisas. Lá, uma muralha medieval deixa de ser apenas o símbolo de uma fortaleza protegida, bicicletas nunca mais representarão apenas um meio de transporte e apetite jamais poderá estar simplesmente associado à sensação de ter ou não fome! Essas são apenas três das coisas que certamente ganharão nova dimensão depois de passar por Lucca.

Lucca exige que você pegue uma bicicleta (há alternativas para quem não se identifica sobre apenas duas rodas) e pedale sobre suas muralhas. Isso mesmo! A muralha é um círculo completo, de 4 quilômetros, em torno da cidade medieval. Larga de tal modo (sua base tem 30 metros de largura) que se transforma numa alameda,  sombreada por plátanos seculares em praticamente toda a sua extensão.

Pra completar a experiência, nossa sugestão: um picnic! Evidentemente sobre a muralha, com pães, embutidos, queijos e vinhos locais! Depois disso, você vai entender direitinho qual é a diferença entre apetite e fome! 

Certamente, quem já passou por essa experiência guardou na memória o frescor da brisa no rosto enquanto andava de bicicleta, o som da cidade, que 12 metros abaixo, vive há séculos protegida pela muralha, o aroma do pão fresco com presunto cru e o sabor do parmesão e do vinho!

Quer provar tudo isso? Uma dica imperdível: no centro histórico, antes de alugar as bicicletas, passe no Alimentari La Grotta, na Via dell'Anfiteatro, 2. É uma loucura de apelos irresistíveis ao paladar, ao olfato e, sim, à visão também, afinal não 'comemos com os olhos'? Os sanduíches do nosso picnic, variando entre focaccia, ciabata e panino, eram recheados de presunto cru com rúcula ou salame e mussarela (acho horrível escrever com ç) de búfala ou mortadela com um fio de azeite extravirgem! Pra acompanhar, tínhamos um vinho especial, com rótulo da família, mas, sinceramente? Um Fubbiano/Colline Lucchesi é ainda melhor. Detalhe: se o grupo for numeroso e o pacote ficar pesado pra carregar na bicicleta, conversando com o Maurizio, dá pra encomendar e eles entregam numa das mesinhas 'su le mura' (sobre a muralha). Ah! Toalha, copos, sacarrolha e boa companhia ficam por sua conta...


Mesmo sem muralhas medievais e plátanos seculares, bicicletas e muito apetite a gente encontra também por aqui. Por isso se alguém se animar em curtir um picnic, aí vai uma receita extraída de uma edição da revista La Cucina Italiana, cuja matéria especial é justamente sobre picnic! 

Sanduíches de queijo de cabra e atum defumado

Para 4 sanduíches:
8 fatias de pão de forma (sugestão: Grão Sabor, Integral, Wickbold)
8 fatias finas de atum defumado
150 g de queijo de cabra
10 g de ervas aromáticas frescas, de sua preferência (tomilho, salsinha, cebolinha etc.)
85 ml de azeite de oliva extravirgem
sal e pimenta do reino branca

Temperar o queijo de cabra com um pouco de azeite, sal, pimenta e as ervas finamente picadas. Pincelar as fatias de pão com um pouco de azeite e deixar tostar no forno a 200º por um ou dois minutos. Espalmar o queijo sobre 4 fatias de pão e colocar por cima as fatias de atum. Fechar os sanduíches com as outras fatias pão.

Além da receita traduzida, você pode o filminho. Embora ali o 'chef ' use o pão sem tostar, ele sugere outras situações para esse mesmo sanduíche...


Bom picnic!

GANHANDO FAMA POR GERAÇÕES!

Bolo simples! Assim eram conhecidos os bolos fáceis e rápidos de preparar. Poucos ingredientes - farinha de trigo, açúcar, fermento, ovos e leite. Coisas básicas e sempre encontradas em qualquer despensa, incluindo a da vizinha, que sempre estava ali pra socorrer na falta de qualquer um deles. Será que as pessoas ainda falam "por favor, você tem uma xícara de açúcar pra me emprestar? assim que comprar, devolvo"? Pra incrementar e variar a receita, suco de uma ou duas laranjas, ou raspas de limão, ou um pouco de essência de baunilha (*). E pronto!

Hoje acho que bolo simples está relacionado apenas ao ato de comprar, ou seja, é muito mais simples comprar! Industrializado ou assado nos fornos dos supermercados e padarias, estocados em embalagens herméticas com grandes prazos de validade ou 'pegando moscas' nos balcões. Simples!

A diferença de um simples para o outro? Ah! O primeiro tinha sempre crianças ao redor da mãe ou da nonna, se lambuzando, melecando tudo, pra tentar ajudar, aprender e brincar. Uma farra, que às vezes podia até acabar em bronca! Mas quem se importava? Além disso, essa 'versão' enchia a casa com o delicioso aroma do bolo simples assando e avisando que a hora do lanche estava chegando!

E foi nesse clima, em que merenda era festa, que muitas vezes fiz e muitas vezes acompanhei minha primeira filhota, ainda pequena, preparando e se dizendo "dona da receita" de um dos famosos bolos simples da nonna: a "Torta Mantovana". Ai de quem pedisse a receita! Segundo ela, uma indesculpável ousadia! Afinal, ela havia decidido tratar essa receita como uma tradição de família! Por isso, se algum dia ela permitir, talvez vocês encontrem a tal receita por aqui. Por ora, apenas pra ilustrar essa lembrança de casa cheirando a bolo simples, aí vai a receita do Bolo Mármore da nonna.

Bolo Mármore
4 ovos
150 g de manteiga sem sal
2 xícaras (chá) de açúcar
3 xícaras (chá) de farinha de trigo
1 colher (sopa) bem cheia de fermento em pó
1 xícara (chá) de leite
3 colheres (sopa) de chocolate em pó (jamais usamos achocolatados no preparo dos doces - fica muito doce!)


Bater as claras em neve e separar. Bater as gemas, adicionar o açúcar e bater até clarear. Juntar as poucos, batendo sempre, a manteiga derretida. Juntar a farinha de trigo e o leite e bater apenas o suficiente para ficar homogêneo. Juntar as claras em neve e o fermento e misturar delicadamente. 
Separar 1/3 da massa e acrescentar com o chocolate em pó. 
Untar uma forma redonda, com buraco no meio. Polvilhar com farinha de trigo e colocar metade da massa branca no fundo. Por cima, a massa com chocolate e cobrir com o restante da massa branca.
Assar em forno pré-aquecido a 180º, durante cerca de 35 minutos.


Pronto! Agora a casa está perfumada de bolo simples!


(*) Dica para viagem: passando em qualquer supermercado na Itália, aproveite para comprar vários envelopes de Paneangeli - Aroma per dolci - Vanillina. O sabor e aroma desta baunilha em pó é infinitamente mais autêntico do que as opções líquidas existentes por aqui. Cada envelope vem com seis porções que são adequadas para receitas de bolos, cremes, pudins e creme chantilly. Isso pode ser interessante até como lembrancinha de viagem para os amigos que curtem novidades culinárias, afinal não ocupa lugar na mala, não pesa, custa pouco e dificilmente se encontra aqui!

sexta-feira, 13 de abril de 2012

DÓ, CHEIRO... ENFIM, UMA DELÍCIA!

Para quem não sabe, na minha infância, se comprava frango (galinha, galo, pintinhos e ovos também) em avícolas. Detalhe: vivos! Amarravam os pés da galinha que era levada pra casa debaixo do braço ou numa sacola de feira, sem que a coitada tivesse noção do destino cruel que a esperava no novo lar.

Em casa, minha nonna colocava um grande balde de alumínio com água para ferver. Isso, por si só, somado à história de Buettino (que qualquer hora conto pra todos), já me deixava no mínimo apreensiva! Mas o pior é que, enquanto a água esquentava, a galinha 'berrava' ao ter seu pescoço esticado até dar o último suspiro. Água fervida, galinha morta mergulhada! Aí, sim, volta muito claramente à memória olfativa: um cheiro horroroso das penas aquecidas abandonando a pobre galinha. Calma! Isso não é uma história de final triste (exceto para a pobrezinha)!

Se minha nonna, na maioria das vezes, era a vilã, meu nonno, era o herói capaz de transformar esse 'terror' numa lembrança de paladar e aroma inesquecíveis. Era ele quem manuseava com extrema delicadeza e habilidade aquela pobre ave para apresentá-la novamente como um prato irrecusável. Dono de uma habilidade única, 'artusiana', ele era capaz de retirar todos os ossos da galinha, sem causar-lhe qualquer dano - seria possível? afinal ela já estava morta!

Esta delicada operação levava um bom tempo. Enquanto isso, as mulheres - minha mãe e minha nonna - preparavam a mistura que iria devolver formas arredondadas e tentadoras à pobre ave desmilinguida. "Recuperada" com um delicioso recheio, ela ia para o forno e então acontecia a festa! Todos em torno da mesa, começando o ritual dominical com uma boa 'pasta al sugo', um bom vinho (misturado com água para as crianças), às vezes a tal ave e uma conversa barulhenta, metade em italiano, metade em português!

Muitas coisas mudam - boas ou não, pra melhor ou pra pior - e hoje talvez não existam tantos nonnos e nonnas, dispostos e habilidosos. Em compensação os frangos e galinhas são comprados mortos, em vários lugares, mesmo que menos saudáveis. E pra facilitar ainda mais, podem ser encontrados já sem seus ossinhos, prontos pra serem recheados. Por isso, vale provar essa receita do meu nonno.

POLLO FARCITO (frango recheado)

1 frango desossado *
2 filés bem finos de peito de frango
Sal, pimenta, folhas de sálvia fresca e alho picado
5 colheres (sopa) de azeite
30 g de manteiga
1 cálice de conhaque

RECHEIO
100 g de carne sem gordura
100 g de carne de porco
½ pão francês amanhecido e amolecido no leite
50 g de linguiça
100 g de presunto cozido cortado em cubinhos
25 g de pistache sem casca
50 g de parmesão ralado
2 ovos
Sal e pimenta

Forrar internamente a parte do peito do frango onde tem menos carne com os 2 filés de frango. Temperar com sal, pimenta e a sálvia e o alho picados. Se temperar na véspera fica ainda mais saboroso. Reservar.
Cortar as carnes em cubos, refogar com azeite e passar por duas vezes no moedor de carne junto com o pão. Juntar os cubos de presunto, os pistaches triturados grosseiramente, a linguiça desmanchada sem a pele, o parmesão e os ovos ligeiramente batidos. Temperar com uma pitada de sal e pimenta. Colocar o recheio no frango, procurando colocar um pouco também nas asas e coxas. Fechar, costurando com linha grossa. Espetar a pele do frango com a agulha grossa.
Colocar para dourar numa panela, em fogo alto, com 30 g de manteiga e 5 colheres (sopa) de azeite.
Assim que estiver dourado, espargir o conhaque pré-aquecido sobre o frango e flambar.
Colocar no forno pré-aquecido e deixar cozinhar por cerca de uma hora e ½, virando de tanto em tanto e juntando uma colher de água sempre que necessário.
Servir cortado em fatias e recomposto como se estivesse inteiro.

* (se alguém preferir se aventurar na técnica de desossar o frango, há uma explicação na página 155 do livro "A ciência na cozinha e a arte de comer bem", de Pellegrino Artusi)

Buon Appetito!